quarta-feira, 16 de janeiro de 2019


O QUE DIZER DA PSICANÁLISE - Parte 4

(O olhar para mim mesmo)


É só olhar a sua volta e não será difícil perceber entre nós, os humanos, uma recorrente presença de um comportamento narcisista na contemporaneidade. Nāo que o narcisismo seja algo novo no nosso meio mas, o que nos indaga em relação a esta questão talvez poderia ser expressada na seguinte pergunta: Em relação ao olhar voltado para nós mesmos, estaríamos vivendo na atualidade algo da ordem de um excesso? As chamadas "selfies" se alastram pelas redes sociais com uma velocidade descomunal, registrando em alguns casos, 24 horas do dia de uma mesma pessoa e ainda por cima, tudo isso se mostra imbuído de uma felicidade inigualável, conquistas impossíveis, receitas infalíveis e muitas vezes aliados a um sentimento de onipotência, onde não há lugar para tristezas, frustrações ou até mesmo um luto de um ente querido. Não que não seja prazeroso expressar os sentimentos que nos enchem de alegria, os desafios que nos tornam mais resilientes e a realização de desejos e objetivos. Mas não estaríamos nós, vivenciando um "tempo" de um narcisismo exacerbado onde só enxergamos o próprio umbigo e, condenados tal qual o Narciso, o personagem do mito grego, a perecer diante da própria imagem?

A palavra Narciso que em grego é Narkissos, remete àquilo que vem de narkes, que significa entorpecimento, torpor, inconsciência, faz referência a qualquer substância que altera os sentidos, produzindo narcose. A palavra Narciso também remete ao nome de uma flor bonita e solitária, que nasce nas beiras dos rios, cuja vida é bastante efêmera e estéril. Se pensarmos bem, não seria talvez esse efeito de entorpecimento mesmo, envolvendo beleza e culto a própria imagem denotando muitas vezes uma certa "alteração de sentidos" , o que muitas vezes presenciamos nas redes sociais?

Na Psicanálise, o narcisismo é um conceito utilizado por Freud a partir de 1910, recorrendo a metáfora do mito de Narciso. Ele vai destacar que o narcisismo enquanto essa experiência de investimento de libido no próprio eu, é uma fase intermediária do desenvolvimento humano que se dá entre a fase autoerótica e o amor objetal. O narcisismo enquanto fase intermediária é também um organizador das pulsões parciais. A relação do bebê humano é demasiadamente frágil com o mundo externo,com o mundo objetivo. Ainda sem coordenação motora, nos primeiros meses de vida, ele é dependente dos cuidados de um outro. Será a partir da identificação com uma imagem que o pequeno humano captará o mundo que o cerca. Experiência que resultará em uma espécie de matriz do eu, matriz essa que também possibilitará a forma fixa do eu ideal, sua imagem de referência de perfeição narcísica. Podemos dizer que no processo de formação do eu, o narcisismo seria uma etapa na qual o sujeito assume a imagem do seu próprio corpo como sendo sua, percebe a sua imagem e se identifica com ela: Eu sou essa imagem, esse sou eu! É um processo que remete ao reconhecimento do eu tendo como referência a imagem do corpo próprio investida pelo outro. Freud observa em seu texto Introdução ao Narcisimo, de 1914, que uma unidade comparada ao eu não existe desde o início, ou seja, esse eu no qual o sujeito se reconhece e que será a sede das identificações, não é inato, ele se origina através dessa nova ação psíquica, desse novo ato psíquico, o narcisismo:esse momento que está entre um momento primeiro, o auto erotismo em que as pulsões têm a sua livre satisfação e, um outro momento, o de amor objetal, um momento em que o sujeito pode amar e escolher o outro. Jacques Lacan, irá trabalhar essa questão em seu texto "O Estádio do Espelho como Formador da Função do Eu" (o qual podemos abordar no meu próximo texto), em 3 tempos. Dessa fase, se assim podemos dizer, resultam o ideal de eu, que é a imagem que a gente se vê enquanto completo e também imagem que a gente persegue no sentido de alcançar esse ideal e o eu ideal, essa instância simbólica com a qual a gente se identifica para termos a possibilidade de reconhecer o nosso próprio desejo. Ou seja, ter um outro como referência para desejar aquilo que esse outro deseja. "Ser como o pai, para desejar alguém como a mãe, por exemplo.

É bem verdade que, como já observava Freud,o ser humano no percurso de sua vida não deixa de investir uma parte da sua libido no eu, mas na contemporaneidade, não estaríamos por demais colados a este ideal de eu, uma vez que nos mostramos, através das selfies e relatos nas redes sociais, tão bem acabados, felizes e perfeitos? Freud também defendia que de algum modo a cultura afeta o sofrimento do sujeito. Termino esse texto convidado a você, leitor, a uma reflexão: O que dessa negação da incompletude que nos habita expressada no mundo das selfies e de uma felicidade carregada na palma da mão, está nos trazendo de consequências e sofrimento na atualidade?



Antonio Roberto Silva
Psicanalista

Adjunto na Maiêutica Florianópolis – Instituição Psicanalítica
Psicanalista com formação permanente desde 1987
Pesquisador na área da Psicanálise e Saúde Mental
Pós-Graduado e Especialista em Gestão de Projetos
Profissional com Extensão Universitária em Psicologia da Personalidade e Psicopatologia Infantil e em
Psicopedagogia
Coordenador e Palestrante no Bemdizer Consultório e Espaço de Psicanálise
Autor e membro fundador do Projeto Social Polis Care com atendimentos em São José, Florianópolis e  Palhoça.
Autor da peça teatral "Boa Noite Meu Bem"

antonio.psicanalise@gmail.com
Telefone/Whatsapp :(48)999195607

terça-feira, 27 de março de 2018





O QUE DIZER DA PSICANÁLISE - Parte 3


A Psicanálise evidencia que a maior parte dos nossos problemas se originam na infância, na relação de dependência radical com o Outro. Dependemos da voz e do olhar do Outro para a constituição de nossa própria imagem, da nossa subjetividade e também para a estruturação da nossa sexualidade. E nesse sentido, foi a partir de Freud, pode-se dizer, que passamos a saber que a sexualidade humana não está vinculada estritamente ao que é da ordem dos instintos, mas das pulsões. É essa a ousada descoberta de Freud no que confere a sexualidade do humano, inicialmente relatada em seu livro Os Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, de 1905. Apesar dessa informaçāo já ser conhecida por alguns, foi Freud que de maneira quase heroíca para a sua época, tendo como referência seus estudos e observações clínicas, afirmou que, diferente dos animais a estruturação da sexualidade humana era de uma outra ordem. Se por um lado os animais portam um comportamento sexual hereditariamente fixado, no qual nāo é necessário construir-se nenhuma orientação quanto ao sexo e, que limita-se somente à reprodução, por outro lado, o chamado "ser humano" depende radicalmente de um outro humano para estruturar a sua sexualidade, e essa "estruturaçāo" vai se edificando a partir desses contatos com o outro que inicialmente lhe acolhe e lhe ampara, onde dessa experiência, ficarāo cunhadas de alguma forma, na pele, no corpo as primeiras experiências de prazer/desprazer e satisfação/insatisfação que contribuirāo posteriormente para a erogenizaçāo e base da sexualidade do ser falante. É nessa direção que podemos dizer que a sexualidade é pulsional, uma vez que para Freud a pulsão tem a ver com essas marcas psíquicas iniciais que buscamos reencontrar e que de alguma maneira foram demarcadas em nosso corpo. Freud vai dizer que "a pulsão é o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente". São esses "registros" essas "marcas" que estão por trás do desejo humano e que movimenta o sujeito à uma busca de satisfação. Para o bebê humano, não lhe resta outra alternativa a não ser essa da submissão a esse outro que lhe fará acolhimento e a mais pura sujeiçāo ao seu desejo.


E os problemas que se originam na mais tenra infância, como tratá-los?

Em seu texto de 1914, cujo título é Recordar, Repetir e Elaborar, Freud observa que a cura em um processo de psicanálise se dá por meio da recordação, nāo no sentido de voltarmos ao passado e procurarmos em meio a um labirinto a peça que faltava para montarmos no tempo presente aquilo que poderíamos chamar do quebra cabeça da nossa história. A recordação se faz importante para que o sujeito em um processo de análise, pela via transferencial, venha se permitir a se encontrar repetidas e repetidas vezes com os pontos nebulosos e intraduzíveis de sua própria história, para que no encontro com essa hiância, com essas fendas, ele possa ter a possibilidade de inventar, ele próprio, aquilo que seria da ordem de um reparo diante de sua dor de existir e de seu desamparo!


Antonio Roberto Silva
Psicanalista
Adjunto na Maiêutica Florianópolis – Instituição Psicanalítica
Especialista em projetos direcionados a pesquisas na área de saúde mental.
antonio.psicanalise@gmail.com
(48)999195607

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

 
O QUE DIZER DA PSICANÁLISE? - Parte 2

 No texto anterior falamos que a descoberta freudiana de "uma outra cena" vinculada a um desejo, o levaria também a descobrir que esse desejo remetia a sexualidade. Foi através da sua clínica, na busca pela cura dos seus pacientes neuróticos, na observação através da associação realizada pelos seus pacientes, pelas lembranças e rememorações que revelavam um conteúdo que alternava entre prazer e desprazer, satisfação e insatisfação, que Freud foi aos poucos construindo o conceito de sexualidade e veio a falar posteriormente de sexualidade infantil. Para falar sobre o conceito de sexualidade em psicanálise, é importante primeiramente situar que tudo que se falava de sexualidade antes do Freud, estava relacionado a sexologia, uma ciência que tinha bastante evidência em sua época e que para essa ciência, a sexualidade estava estritamente vinculada a aquilo que diz respeito ao corporal, ao anatômico, ao fisiológico, com sua base apoiada na biologia. Freud de certa forma faz uma ruptura com o conceito de sexualidade vigente em sua época. Portanto quando Freud em um primeiro momento fala de sexualidade infantil está falando de algo ligado a esses registros de prazer e desprazer. A primeira mamada do bebê, por exemplo, costuma ser uma imagem bastante utilizada para ilustrar essa experiência onde está situada uma busca de satisfação para essa necessidade mas que também nessa experiência comparece um registro de prazer que vai além da estrita necessidade, no caso, a fome. Uma experiência que demonstra uma necessidade fisiológica sendo satisfeita mas que além do alívio da tensão dessa necessidade observa-se um registro de uma satisfação a mais, um prazer naquilo que ele recebeu do ato nessa relação com o outro, e será esse registro de prazer, esse há mais que acompanha uma satisfação que é biológica, é isso que Freud vai chamar de sexual, remetendo a construção do conceito de sexualidade. Nesse sentido ao dizer que existe uma sexualidade infantil ele não está se referindo a sexualidade que se pode referir ao adolescente ou ao adulto, mas em um sentido mais amplo do termo, no sentido de algo que se constrói a partir do encontro com o outro, no sentido amplo de que sexualidade diz respeito aos registros de prazer e desprazer, de satisfação e de insatisfação.

Falamos também no texto anterior que para Freud a sexualidade é pulsional , mas o que isso quer dizer? Falaremos disso no próximo texto. Até breve!

Antonio Roberto Silva
Psicanalista
Adjunto na Maiêutica Florianópolis – Instituição Psicanalítica
Especialista em projetos direcionados a pesquisas na área de saúde mental.
Membro fundador do C.E.P.P.P.
 antonio.psicanalise@gmail.com
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O QUE DIZER DA PSICANÁLISE? - Parte 1
A psicanálise, também conhecida como um método de investigação do inconsciente criado pelo neurologista Sigmund Freud é também chamada por muitos de “a teoria da alma” e está presente em nossos dias como uma eficiente alternativa para acolher e tratar através da clínica psicanalítica, o sofrimento humano nas suas mais variadas manifestações: fobias, ansiedade...e, pânico, angústia, conflitos, depressão entre outras manifestações psíquicas e patológicas refletidas no próprio corpo. Foi através da descoberta freudiana que passou-se comumente a falar de inconsciente e que se passou a ouvir também que "o eu não  é senhor da sua própria casa", já que a maior parte dos conteúdos inconscientes que regem as nossas vidas e ações, deles pouco se conhece.

O início da clínica freudiana foi marcado pelo trabalho realizado junto às histéricas naquela época e sabe-se que o próprio surgimento da psicanálise deve-se de alguma forma a elas. Os corpos das histéricas eram corpos que falavam: essa era a suposição de Freud diante das paralisias, anestesias e demais conversões histéricas, quadro clínico bastante discutido naquele período. Sim, esses corpos falavam, podiam de alguma forma serem lidos, decifrados, porém isso não se tornaria possível sem que a elas, essas pacientes, não lhes fosse dado a palavra. Freud teve referências importantes como Breuer e Charcot, mestres que inspiraram o seu percurso e nesse trajeto, destaca-se o experimento e o abandono da técnica hipnótica. A palavra do paciente (assim era chamado o analisante), dá origem a uma regra fundamental da Psicanálise, a associação livre, a qual não vamos detalhar nesse momento, mas já observando de saída que essa associação não é tão livre assim...pois bem, essa palavra inaugural que marca a entrada da Psicanálise é conhecida historicamente através do pedido de uma histérica no qual ela solicitava para que Freud, na posição de saber médico, calasse e a deixasse falar! Freud, em uma atitude de humildade e mesmo de sensibilidade diante do saber, cedeu a palavra a paciente e passou a identificar nas observações clínicas que o saber sobre aquelas manifestações histéricas não estavam exatamente do seu lado mas sim, do lado daqueles que estavam sofrendo. A partir daí na experiência freudiana se inverteu a relação entre médico e paciente, ou seja, uma suspensão do saber do lado do médico dando lugar a uma escuta e a fala da paciente e o início do método psicanalítico. Surgiram dessa forma o que chamamos hoje de analista e analisante. Em sua caminhada clínica, Freud perceberá adiante que o analisante sempre fala mais do que diz, ou seja, aquilo que aparece inicialmente como manifestações, corporais, expressões de sofrimento, na medida em que é falado, vai também sendo escutado por Freud não mais como a queixa ou indicações de possíveis patologias, mas como alguma coisa que não estava podendo ser dita, algo que vai sendo vinculado ao desejo e que de alguma maneira, estava apontando para uma outra cena, até então não revelada.

Mesmo tendo inicialmente a sua origem na clínica médica sabe-se que a psicanálise se funda justamente, quando Freud rompe com o discurso médico, dando lugar a palavra do paciente e a escuta do seu discurso e, passando a identificar nesse discurso a presença das formações do inconsciente que através das associações remetem a uma outro lugar até então desconhecida pelo próprio sujeito. Dentre as formações do inconsciente podemos citar os sonhos, os chistes, os atos falhos, os lapsos e o próprio sintoma.

A descoberta de Freud de uma outra cena vinculada a um desejo é também a descoberta de que esse desejo remetia a sexualidade, mas nesse sentido é importante ressaltar que para Freud a sexualidade é pulsional e esse conceito vai muito além daquilo que se pode compreender comumente, não sendo possível reduzi-la apenas a questão biológica, ao ato sexual em si. De maneira geral pode-se dizer que para a psicanálise a sexualidade é uma força, uma energia vital vinculada ao princípio do prazer, a experiência de satisfação e que está presente no nosso desenvolvimento desde a mais tenra infância, mas esta é uma questão que vamos aprofundar paralelamente ao próximos textos da série de textos “O que dizer da Psicanálise?”. Até lá!


Antonio Roberto Silva 
Psicanalista
Adjunto na Maiêutica Florianópolis – Instituição Psicanalítica
Especialista em projetos direcionados a pesquisas na área de saúde mental.
Membro fundador do C.E.P.P.P.

antonio.psicanalise@gmail.com 
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A criança e o seu mundo!