terça-feira, 5 de setembro de 2017



Psicanálise, Melancolia e Desejo do Outro

Desde muito cedo ocupamos um lugar na vida do outro e dele dependemos para nos constituirmos como seres desejantes, falantes. Desde o nascimento dependemos radicalmente de um outro para sobrevivermos e construirmos nossa identidade. Diferentemente dos outros animais, o ser humano ao nascer é indefeso, prematuro. Uma criança sem os cuidados iniciais, chamados maternos, função que não necessariamente poderá ser exercida apenas pela mãe biológica, tende a sucumbir, não ter o seu lugar enquanto vivente. O bebê humano precisa ser alimentado, cuidado pois precisará de um tempo maior para o seu desenvolvimento e constitui-se como um sujeito da linguagem. Somos olhar e voz inicialmente, sem inscrições, uma espécie de página em branco, apesar de já sermos falados de alguma maneira pelos nossos pais e/ou familiares mesmo antes do nosso nascimento. O caminho que fundará o desejo se inicia com os cuidados maternos nos primeiros momentos da vida. Através de cada carícia, de cada afago , de cada momento de satisfação, conforto ou desconforto, a inscrições vão sendo realizada mnemonicamente nesse corpo bruto do pequeno ser. É por essa experiência que vai se realizando a construção psíquica, um processo pelo qual o bebê humano precisa passar para que venha a se constituir enquanto sujeito e ter acesso a linguagem. Para que seja possível essa inscrição, para que algo seja inscrito nesse corpo é necessário que um outro da mesma espécie, um igual , venha realizá-la por meios de significantes que marcarão o nascente, como o nome próprio por exemplo. Sendo biologicamente saudável, a criança se encontrará propensa a subjetivação através das marcas deixadas pelo outro, no caso a mãe ou seu substituto, que ao manusear, amamentar, acariciar, confortar, suprir as necessidades do pequeno ser vais inscrevendo no seu corpo os significantes, contornando a falta, uma falta que inaugura este pequeno ser pela marca que a mãe imprime em seu corpo, ora apresentando-se como objeto de completude, ora se apresentando como ausência de objeto, deixando as marcas. É esse outro (a mãe) que pela repetição, na experiência dos cuidados com o filho, vai inscrever nesse filho, o traço de memória, memória de uma tensão direcionada em desejar que esse outro (a mãe) deseje suprir sempre o que vai faltar. Dessa maneira, será essa marca que fica pelo objeto faltante que vai desenhar no inconsciente o objeto de desejo. Entre as experiências de ausências e presenças da mãe, se abrirá um intervalo no qual a falta se presentifica tanto do lado da criança quanto do lado da mãe. Há quem ainda diga que não depende de ninguém, larga ilusão! Dependemos sim do outro desde cedo tanto para sobrevivermos quanto para nos constituirmos já que para que eu me torne desejante, dependo do desejo do Outro. Mas as coisas não param por aí, por isso vamos retomar essa questão mais adiante. E o que a melancolia tem a ver com isso tudo? Será esse o assunto que vou procurar abordar no próximo texto!

Psicanalista Adjunto na Maiêutica Florianópolis – Instituição Psicanalítica
Especialista em projetos direcionados a pesquisas na área de saúde mental.
Membro fundador do C.P.P.P.
antonio.psicanalise@gmail.com
(48) 999195607

quarta-feira, 16 de agosto de 2017




DEPRESSÃO NÃO É FRESCURA - Parte III

De tanto ouvir falar que ele não tem nada, que não tem motivos para se sentir assim ou assado, que isso vai passar logo, que é fase, etc., o sujeito em estado de depressão muitas vezes, em um esforço descomunal passa a negar os seus sintomas, negar a tristeza profunda que sente, o sentimento de vazio e a apatia pela vida, dizendo aos que estão a sua volta que melhorou ou que está bem, numa tentativa desesperada de agradar e calar a boca daqueles que direta e indiretamente lhe criticam. No fundo o que a pessoa depressiva não precisa é de cobranças, necessita de tratamento, carinho paciência e compreensão daqueles que estão a sua volta.
A depressão hoje já é responsável por mais de 20% das faltas no trabalho no mundo. Os estados depressivos variam em gravidade, do mais leve ao mais grave que normalmente são acompanhados de idéias de morte e suicídio. A depressão pode surgir em qualquer idade e em qualquer estrutura ainda que algumas estatísticas apontem que elas apareçam mais frequentemente entre 20 e 50 anos. Na clínica vemos o sujeito depressivo comparecer com o ego empobrecido e desprovido de valor mas no desenvolvimento do processo psicanalítico o que vemos surgir através da queixa da depressão é uma história singular de sofrimento e desamparo. Não é incomum nos estados depressivos o sujeito buscar o alívio na negação, na bebida ou nas drogas. E a ideia de suicídio vem em algumas vezes em suplência da impossibilidade de sair desse estado crítico e letárgico. O sujeito depressivo precisa ser escutado antes que a fala lhe seja obturada seja pelo excesso de medicação, pela bebida, ou outras drogas, cessando as possibilidades de colocar em pauta a palavra e a sua responsabilização frente ao seu desejo. Para ele também vale o desejo de querer melhorar, sair desse estado em que se encontra, pois muitas vezes o estado injusto do qual ele se queixa é uma consequência de suas próprias escolhas!
Antonio Roberto Silva Psicanalista


 
DEPRESSÃO NÃO É FRESCURA! - PARTE II


Muitas vezes o desconhecimento relacionado aos estados depressivos faz com que familiares e amigos na tentativa de ajudar ou "socorrer" a pessoa que está com depressão acabem por piorar ainda mais a situação. Conselhos como: " Seja otimista! Tenha força de vontade!"; "Você tem saúde e está deprimido por quê?"; "Você tem uma vida ótima! Não tem motivo para fica...r deprimido!" "Pare de pensar bobagens, você pode ser feliz!", entre outros, acabam funcionando como uma verdadeira explosão para quem já se esforça diariamente para conseguir sair da cama e enfrentar o dia!

Em seu desafio na direção do tratamento da pessoa que se encontra em estado depressivo, a Psicanálise coloca em pauta a fala, a fala do sujeito, para que nesse dizer sobre os seus sintomas e, no mostrar-se submetido à lógica da repetição inconsciente que comparece no seu discurso, venha em um determinado momento, retomar o seu lugar no circuito desejante, possibilitando o deslocamento do desejo na busca de seus sonhos e objetivos.

Se o estado depressivo traz angústia e sofrimento deve ser tratado e, a pessoa deprimida precisa ser escutada no seu tempo, no seu modo próprio de ser no mundo, na sua singularidade. Lacan dizia que o melhor remédio para a angústia é o desejo (1962/63) e nesse caso, uma vez resgatado, é um "remédio"que consideramos valer também para o sujeito deprimido!

Antonio Roberto Silva
Psicanalista

Adjunto na Maiêutica Florianópolis - Instituição Psicanalítica
Pesquisador, Especialista em projetos de pesquisas direcionados a Saúde Mental
Membro fundador do C.E.P.P.P.


DEPRESSÃO NÃO É FRESCURA!

É coisa séria e merece ser tratada com todo respeito. Uma coisa é certa, não existe um modelo pronto para a cura da depressão: nem pela recorrência aos medicamentos que obturam a palavra do sujeito nem pelos métodos milagrosos que prometem uma rápida e sugestiva recuperação. Geralmente caracterizada por um sentimento de tristeza profunda, perda de interesse pelo mundo, esvaziamento de energia física e psíquica, entre outros sintomas negativos que incapacitam o sujeito para as atividades diárias, de acordo com a O.M.S (Organização Mundial de Saúde) até 2020 a depressão será considerada a patologia mais incapacitante em todo o mundo! Atualmente mais de 120 milhões de pessoas sofrem com a depressão no mundo e estima-se que só no Brasil são 17 milhões. Descrita pela primeira vez no início século XX (apesar de relatos sobre estados depressivos existirem cerca de 400 anos A.C.), ela ainda hoje é confundida entre as pessoas com tristeza e apatia, que são sentimentos comuns a todos os sujeitos em alguns momentos da vida. Com Freud, muitas conceituações preexistentes sobre os estados depressivos foram postas em causa. O deprimido em seu sofrimento faz referência à imagem ideal perdida, é como se ele dissesse “eu não sou mais o que eu fui e se eu não sou mais o que eu fui, eu não quero ser mais nada”. Com Lacan, tanto nos Escritos quanto no Seminário V, ele vai dizer que na depressão o sujeito cede sobre o seu desejo, e consequentemente burla a falta, ou seja, o sujeito evita a falta, o seu encontro com a castração. A falta que lhe angustia e que também pode produzir desejo. Se a depressão se instala justo quando o sujeito abre mão do seu desejo, o que a Psicanálise pode propor para o sujeito deprimido? Que aposta a Psicanálise irá fazer para resgatar o desejo do sujeito deprimido e fazer com que ele saia desse estado de letargia em que se encontra? É óbvio que a discussão sobre o tema relacionado a depressão não se esgota por aqui, mas a aposta será feita através do processo psicanalítico no sentido de resgatar o desejo desse sujeito por uma ética do bem dizer do desejo, possibilitando que o sujeito fale, priorize a palavra, se implique e retome o seu posicionamento em relação ao circuito desejante na sua história, redimensionando a sua maneira de lidar com a falta e com os seus sintomas!

Antonio Roberto Silva
Psicanalista
Adjunto na Maiêutica Florianópolis - Instituição Psicanalítica
Especialista em projetos de pesquisas direcionados à saúde mental
Membro fundador do C.E.P.P.P.,